quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O Cristão e a Ansiedade







                                                                          Επίστευσα, διὸ ἐλάλησα
                                                                                                       Cri, por isso falei   


A presente leitura tem como intuito trazer um genérico esclarecimento a respeito duma palavra que tem ganhado notoriedade neste século, Ansiedade. Essa palavra tem levado escritores de variadas áreas a separar parte do seu tempo para discorrer sobre.

Se levarmos em conta o que dizem a Ciência e a Bíblia, podemos afirmar que,  no mínimo, há três tipos de ansiedades. Sendo elas: ansiedade vital, patológica e a ansiedade da fé
.
Ansiedade Vital: Também chamada de ansiedade benéfica, ela é quem está por trás dos nossos planos de: entrar numa universidade; casar e termos filhos; comprarmos ou construirmos uma casa; passarmos em um concurso. Ela nos conduz aos objetivos reais e necessários da vida, sem nos causar sofrimento.

Ansiedade Patológica: Diferente da Vital, esta é a causadora de muitos males mentais e físicos. Assim como a Depressão que, diga-se de passagem, andam de mãos dadas em alguns transtornos mentais e físicos, essa patologia pode ser desencadeada por fatores genéticos e/ou sociais.
Quanto à área genética, o indivíduo pode nascer com predisposição caso nasça com alterações químicas no cérebro como uma diminuição dos neurotransmissores Serotonina, Dopamina, Noradrenalina os quais estão relacionados ao equilíbrio do nosso humor[1].

Quanto à área social, o uso excessivo do smartphone, do videogame, da televisão; as muitas horas paradas nos engarrafamentos; o complexo de inferioridade e superioridade; o egocentrismo/egolatrismo; a autocobrança; o excesso de cobranças no trabalho, na universidade, no relacionamento conjugal, na instituição religiosa; a obsessão por ganhar dinheiro, por exemplo, torna a pessoa uma candidata com chances fortes e claras à eleição dum quadro de transtorno mental. O sistema mundial está a 1000km/h.

Atualmente, mais de 3 bilhões de pessoas poderão desenvolver algum transtorno psiquiátrico no decorrer de suas vidas[2], sobretudo Ansiedade Patológica.

Pessoas que portam essa patologia, não sofrem por uma simples impaciência ou por desejarem algo para o agora. Não se trata de imediatismo. Quem é vítima dessa doença têm preocupações desequilibradas e excessivas com o futuro. Apresentam sintomas do tipo: insônia; tensão muscular; sensação de sufocamento; nó na garganta; respiração ofegante; sudorese; tremores; dor no peito; batimentos cardíacos acelerados; falta de desejo sexual; muita ou nenhuma vontade de se alimentar; alterações no intestino e estômago como gastrite, refluxo, úlcera; dificuldades com pessoas lentas, calvice; medos irracionais de fracassar, sobretudo medos relacionados a câncer e infarto. Tais sintomas, podem se manifestar sempre em situações de estresse.  É por isso que algumas pessoas têm comportamentos diferentes diante dos momentos conflitantes. Em suma, esta patologia nada mais é do que o sofrimento presente pelo futuro inexistente. (o pleonasmo foi intencional).

No entanto, com relação às preocupações da enfermidade em foco, 90% delas não se tornam reais; as equivalentes aos 10% que restaram se tornam reais; mas com uma roupagem diferente da que temos “certeza” que virão vestidas[3]. Um exemplo muito comum dentro dos 90%:

uma pessoa sente algumas pontadas no lado esquerdo do peito e imediatamente é atacada por uma excessiva preocupação ladeada por uma “certeza” de que está infartando quando, na verdade, após ir à urgência dum hospital, descobre que o incômodo foi causado tão somente por gases produzidos por uma má digestão.

É oportuno ainda acrescentar que medos excessivos e irracionais também podem ser diagnosticados em pessoas que têm os denominados Transtornos de Ansiedade, a saber, Síndrome do Pânico; Transtorno Obsessivo Compulsivo; Transtorno Pós-Traumático. Na Esquizofrenia também ocorrem medos sem fundamentos. 

            Não obstante, para essa doença há tratamento eficaz. Porém, nem sempre é aceitável pelo público teísta e ateu. Por quê?
Porque há um tabu quando o assunto é a procura por um profissional da saúde da mente devido à abundância de desinformação e preconceito, principalmente entre muitos dos que professam algum tipo de fé, uma vez que não aceitam a ideia de estarem doentes ou de ter que tomar medicação pelo resto da vida, mesmo isto não sendo uma regra aplicada a todos os pacientes.

Lembro-me de ter lido num livro o relato de um líder espiritual que muito sofreu por ter sido acometido por um transtorno mental e resistido durante meses à ideia de procurar ajuda profissional, pois temia ser substituído ainda que temporariamente da denominação a qual cuidava com dedicação. Ele usou todo tipo de saída que lhe estava à disposição com intuito de se livrar do tormento: orava em casa e no monte, jejuava vários dias no mês, determinava em nome de Jesus a cura sobre si, mas a doença só crescia e a cada dia lhe amassava como se amassa um copo descartável. Chegou um momento, graças a Deus, que o líder se rendeu e humildemente decidiu procurar ajuda médica e consequentemente a doença o deixou.

Em oposição à parte negligente da história relatada, afirmamos que é dever nosso aceitar que adoecer, seja de qual parte do corpo for, infelizmente, faz parte da vida do ser humano, já que a humanidade está sujeita, incluindo os que tem Fé em Deus, conforme podemos ver nos relatos sobre, Paulo, homem de fé, o qual orou para Deus levantar um paralítico (At 14:10), o que ocorreu; e noutra oportunidade deixou Trófimo, seu amigo, doente em Mileto (2Tm 4:20). E, ainda noutro momento, recomendou medicação ao hipoteticamente ansioso, Timóteo, para, provavelmente, tratar duma úlcera estomacal, gastrite ou esofagite (1Tm 5:23). Se o líder anteriormente citado tivesse entendido o que Timóteo entendeu, no aparecer dos primeiros sintomas, teria evitado o agravo do seu transtorno.

Não negamos que a cura duma doença pode vir, sem dúvidas, pelas mãos divinas de Deus. Mas é irrefragável que a cura também vem pelas mãos e mentes humanas de um médico ou de um Psicólogo os quais são instrumentos dEle, conforme bem escreveu o   médico, historiador e escritor do Novo Testamento, Lucas, ao narrar as palavras de Jesus Cristo :

                           Os que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes” (5.31).

Qualquer pessoa que sente desconforto nos rins, coração, ossos, procura, sem hesitar, um Nefrologista; Cardiologista. Do mesmo modo, quem tem Ansiedade Patológica deve procurar um Psiquiatra, um Psicólogo e um Nutricionista, já que os alimentos têm papéis importantíssimos quanto à melhora dos transtornos[4].  Assim, todo preconceito sobre se tratar profissionalmente deve ser aniquilado.
A respeito da hipotética certeza de tomar medicação por longo ou indefinido período, não deveria ser tabu, pois, há pessoas hipertensas e diabéticas que precisam fazer uso contínuo de remédios, não por serem pessoas fracas mentalmente (sentido pejorativo) ou porque o médico quis deixá-las “dependente”, mas porque essa é, cientificamente, a melhor e confiável forma de trazer a estes pacientes a melhora dos sintomas que antes os incomodava e os ameaçava à vida. Desse modo, não procurar ajuda profissional é desprezar a orientação de Cristo e trazer uma piora do quadro e acarretar mais sintomas pelo restante do corpo (Pv 17.22).

Ansiedade da Fé: Esta ansiedade, embora não seja desencadeada por doença, pode causar alterações negativas no humor por causa da falta de confiança naquilo que Deus garantiu à Sua Igreja. Vejamos o que o Novo Testamento fala a sobre Ansiedade.

Mas, antes, por que afirmamos que essa ansiedade não é a vital nem a patológica, se ela causa preocupação e negatividade? Porque, conforme veremos, Deus não repreende quem está no centro da sua vontade nem quem adoece, sobretudo por questões genéticas, haja vista conhecer as mentes dos homens (1Cr 28.9; Sl 103. 14; Is 55.8; Hb 4.15).

Bem, o substantivo geralmente traduzido no Novo Testamento por Ansiedade deriva de μέριμνα (gr. merimna)[5]. Ele tem o sentido de expectação, dedicação, preocupação, (Mt 6. 25; Lc 10.41, 12.26; 1Co 7.34 ; 2Co 11:28; Fp 4.6; 1Pe 5.7). Dentre os versos extraídos destacamos (Mt 6.25; Fp 4.6; 1Pe 5.7) os quais indicam repreensão aos que não estavam confiando em Deus como deveriam. Certa feita Jesus advertiu pessoas as quais estavam muito preocupadas com o que havia de comer e vestir. Seguindo a mesma ideia, Paulo exortou os filipenses a não se preocupar com coisa alguma e, quando desejasse algo, pedisse a Deus em oração e com ações de graça. E Pedro, por fim, recomendou lançar toda preocupação desnecessária sobre o Senhor.

É bem verdade que os textos vetero/neotestamentários não são empecilhos para que possamos tomar decisões para suprir as necessidades do presente e do futuro (Pv 6. 6; 2Ts 3.10), pois, como já expomos, eles reprovam a preocupação desenfreada a qual revela a falta de fé no cuidado Paternal de Deus (Gn 22. 8-13; Sl 104. 14-15; Is 49.16; Mt 28.20). Cabe-nos aqui, porém, orientarmos o cristão que a sua confiança em Deus deve ser moderada ou à Luz da Bíblia, pois muitos abandonaram a fé por terem depositado em Deus uma confiança com fins de bençãos materiais as quais o Senhor não as garantiu dar, principalmente quando e como esses as exigiram. O Senhor nos orienta a pedir, mas só nos dá o que estiver no centro da Sua vontade (Mt 21.22; Lc 11.9; Tg 4.3; 1Jo 5.14).  Não devemos nos aproximar primariamente de Deus por aquilo que Ele dá, mas pelo o que já deu, quero dizer, a salvação da alma e a oportunidade de sermos moradores da Cidade Celestial (Mt 6.33; Jo 3.16; 6.26-27).
Por Cristo, Itard Víctor




[1] De acordo com o Psiquiatra Marcos Abud. Em:< https://www.youtube.com/watch?v=tn0zqVKo0CM> . Acesso em 24 de fevereiro de 2020.
[2] CURY, Augusto. Ansiedade 2. 2018. p.102. BENVIRÁ.
[3] CURY, Augusto. Ansiedade. p. 135. SARAIVA.
[4] SAVIOLI, Gisela. Estresse, Ansiedade e Depressão. Como prevenir e tratar através da nutrição. 2019. CANÇÃO NOVA.
[5] LOUW, Johanes, NIDA, Eugene. Lexical semantics of the Greek New Testament.
KITTEL, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament (TDNT).
BAUER, Walter; DANKER, Frederick; ARNDT, William F; GINGRICH, F. Wilbur, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (BDAG).