quinta-feira, 14 de maio de 2020

Será que ele vai matar-se?






                                                                      Επίστευσα, διὸ ἐλάλησα

                                                                                                       Cri, por isso falei  

  
Qual localidade veio às mentes dos judeus ao ouvirem Jesus dizer que iria para um lugar no qual eles não poderiam ir, a ponto de pensarem que Cristo cometeria suicídio, na passagem de (Jo 8.22)?

Não é difícil elucidar esta pergunta se levarmos em conta que, para o judaísmo do séc I, cometer suicídio era ganhar uma passagem para o Hades. Isto é, para os judeus, em especial os fariseus os quais se consideravam hiper santos (Lc 18.8-14) só havia um lugar para o qual não poderiam ir senão via suicídio, o Hades.

O sacerdote, Flávio Josefo, procurando convencer os soldados judeus a se entregarem ao romanos, no afã de dissuadi-los do suicídio em massa programado por estes, disse o seguinte: 

Agora, o suicídio é um crime mais distante da natureza comum de todos os animais e um exemplo de impiedade contra Deus, nosso Criado [...] Os corpos dos homens são mortais, pois são feitos de uma matéria frágil e corruptível; mas nossas almas são imortais e participam de algum modo da natureza de Deus. [...] E se alguém quiser fazê-lo, poderá se iludir em ocultar aos olhos de Deus a ofensa que lhe faz? Todos estão de acordo em que é justo castigar um escravo que foge de seu senhor, embora esse senhor seja mau e nós julgaremos poder sem crime abandonar a Deus que não somente é nosso senhor, mas um senhor soberanamente bom? Não sabeis que Ele difunde suas bênçãos sobre a posteridade daqueles, que depois de ter chamado para junto de si, entregaram em suas mãos, a vida, que, segundo as leis da natureza, Ele lhes deu e que suas almas voam puras para o céu, para lá viverem felizes e voltar, no correr dos séculos, a animar corpos que sejam puros como elas e que, ao contrário, as almas dos ímpios, que por uma loucura criminosa dão a morte a si mesmos são precipitadas nas trevas do Hades? E que Deus, o Pai de todos os homens, vinga as ofensas dos pais nos filhos? Foi por isso que o nosso sábio legislador, conhecendo o horror de tal crime, determinou que os corpos dos que se matam, voluntariamente, fiquem sem sepultura até o pôr-do-sol, embora seja permitido enterrar antes os que foram mortos na guerra. Há nações que cortam as mãos dos assassinos que se mataram a si mesmos, porque julgam justo separá-las de seus corpos, como estão separados seus corpos de suas almas.[1]

            Ademais, a crença daqueles judeus também poderia estar baseada no “Não Matarás” ou no “Não Assassinarás” contido na Torah ou Lei (Ex 20.13) entendendo o suicídio como um auto homicídio que, uma vez praticado, deixaria o agente da ação impossibilitado de se arrepender, obviamente por estar morto, sobrando-lhe apenas a condenação eterna. Talvez por isto o judeu/espanhol, Rambam/Maimônides, disse que o suicida é culpado de assassinato, será responsabilizado na Corte Celestial e não terá participação no mundo vindouro.[2]
           
                                                                                                                                    Itard Víctor


[1] Wars of the Jews 3: 369-378. Tradução nossa.
[2] <https://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/4372311/jewish/Suicide-in-Judaism.htm>.