sexta-feira, 14 de junho de 2019

Calvino, um pré-arminiano?






                                                   
            Até o presente momento, há um típico discurso vindo da ótica calvinista que valentemente afirma que a regeneração ou o arrependimento precede a Fé.

Isto é, Deus regenera o pecador antes deste crer. Isso mesmo. O pecador é regenerado sem primeiro crer.

Dentre os muitos adeptos dessa filosofia, queremos destacar o testemunho do já falecido teólogo R. C. Sprol que, em seu livro, O Mistério do Espírito Santo[1], conta uma experiência do tempo de seminário pela qual demonstra como essa filosofia entrou em sua vida:

Um dos momentos mais dramáticos em minha vida, na formação de minha teologia, ocorreu em uma sala de aula de um seminário. Um de meus professores foi ao quadro negro e escreveu estas palavras em letras garrafais:

                                             A REGENERAÇÃO PRECEDE A FÉ

Aquelas palavras foram um choque para o meu sistema. Eu tinha entrado no seminário crendo que a obra principal do homem para efetivar o novo nascimento era a fé. Eu pensava que nós tínhamos que primeiro crer em Cristo, para então nascermos de novo. Eu uso as palavras "para então" aqui por uma razão. Eu estava pensando em termos de passos que deviam ocorrer em uma certa seqüência. Eu colocava a fé no princípio. A ordem parecia algo mais ou menos assim:

                                  "Fé - novo nascimento -justificação."

Eu não tinha pensado sobre esse assunto com muito cuidado. Nem tinha atentado cuidadosamente às palavras de Jesus a Nicodemus. Eu presumia que mesmo sendo um pecador, uma pessoa nascida da carne e vivendo na carne, eu ainda tinha uma pequena ilha de justiça, um pequeno depósito de poder espiritual remanescente em minha alma para me capacitar a responder ao Evangelho sozinho. Possivelmente eu tinha sido confundido pelo ensino da Igreja Católica Romana. Roma, e muitos outros ramos do Cristianismo, tem ensinado que a regeneração é graciosa; ela não pode acontecer aparte da ajuda de Deus. [...]

Uma obra monergística é uma obra produzida por uma única pessoa. O prefixo mono significa um. A palavra erg refere-se a uma unidade de trabalho. Palavras como energia são construídas com base nessa raiz. Uma obra sinergística é uma que envolve cooperação entre duas ou mais pessoas ou coisas.  O prefixo sun significa "juntamente com".

Eu faço esta distinção por um razão. O debate entre Roma e Lutero foi travado sobre este simples ponto. A questão era esta: A regeneração é uma obra monergística de Deus ou uma obra sinergística que requer cooperação entre homem e Deus? Quando meu professor escreveu "A regeneração precede a fé" no quadro negro, ele estava claramente tomando o lado da resposta monergística. Depois de uma pessoa ser regenerada, esta pessoa coopera pelo exercício de sua fé e confiança. Mas o primeiro passo é a obra de Deus e de Deus tão-somente.
A razão pela qual não cooperamos com a graça regeneradora antes dela agir sobre nós e em nós é que nós não podemos. Não podemos porque estamos mortos espiritualmente. Não podemos assistir o Espírito Santo na vivificação de nossas almas para a vida espiritual, da mesma forma que Lázaro não podia ajudar Jesus a ressuscitá-lo dos mortos.

Quando comecei a lutar com o argumento do Professor, fiquei surpreso ao descobrir que o estranho som de seu ensino não era novidade. Agostinho, Martinho Lutero, João Calvino, Jonathan Edwards, George Whitefield - até o grande teólogo medieval Tomás de Aquino ensinaram esta doutrina. Tomás de Aquino é o Doctor Angelicus da Igreja Católica Romana. Por séculos seu ensino teológico era aceito como dogma oficial pela maioria dos Católicos. Então, ele era a última pessoa que eu esperava sustentar tal visão da regeneração. Todavia Aquino insistiu que a graça regeneradora é uma graça operante, e não uma graça cooperativa. Aquino falou da graça preveniente, mas ele falou de uma graça que vem antes da fé, que é a regeneração.

Todavia, ao ler que Sproul citou Calvino, nos assustamos, pois há uma exposição  do referido teólogo francês a qual soa bem diferente:

O próximo passo, porém, nos será da fé ao arrependimento, porque, conhecido adequadamente esse ponto, melhor se evidenciará como somente pela fé e puro perdão o homem é justificado; contudo, a graciosa imputação de justiça não é separada, por assim dizer, da real santidade de vida. Entretanto, deve estar fora de controvérsia que o arrependimento não apenas segue de contínuo a , mas inclusive nasce dela. Ora, uma vez que pela pregação do evangelho é oferecido perdão e remissão para que o pecador, liberado da tirania de Satanás, do jugo do pecado e da mísera servidão dos vícios, seja transportado ao reino de Deus, por certo que ninguém pode abraçar a graça do evangelho a não ser que se afaste dos erros da vida e tome a via reta, e aplique todo seu esforço à prática do arrependimento. Mas, os que pensam que o arrependimento precede à fé e não é produzida por ela, como o fruto de sua árvore, estes jamais souberam no que consiste sua propriedade e natureza, e, ao pensar assim, se apoiam num fundamento sem consistência. [...]

Contudo, quando atribuímos à fé a origem do arrependimento, não sonhamos algum espaço de tempo no qual se lhe dê à luz; ao contrário, queremos pôr à mostra que o homem não pode aplicar-se seriamente ao arrependimento, a não ser que reconheça ser de Deus. Mas, ninguém é verdadeiramente persuadido de que é de Deus, salvo aquele que haja antes reconhecido sua graça. Estas coisas, porém, serão mais lucidamente discutidas no próprio andamento da exposição. Talvez os tenha enganado o fato de que muitos são quebrantados de sobressaltos de consciência ou afeiçoados à obediência antes que sejam imbuídos do conhecimento da graça; com efeito, antes mesmo que tenham sentido o gosto. E é este o chamado temor inicial que alguns contam entre as virtudes, já que o vêem como muito parecido com verdadeira e justa obediência. Aqui, porém, não se trata de quão variadamente Cristo nos atraia a si, ou nos prepare para o cultivo da piedade: estou apenas afirmando que não se pode achar retidão alguma onde não reina esse Espírito que Cristo recebeu para que o comunicasse a seus membros[2].

Calvino realmente estava ensinando o Calvinismo que conhecemos? 

Não seria Calvino um pré-arminiano?





[1]Disponível em: < http://www.monergismo.com/textos/regeneracao/regeneracao_precede_fe.htm>.
[2] As Institutas da Religião. Vol 3. Cap III.

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